Arquitetura e trabalho livre II:
de Brasília aos mutirões
| |
Sérgio Ferro
Organização e apresentação de Pedro Fiori Arantes
Prefácio de Roberto Schwarz
216 p. - 16 x 23 cm
ISBN 978-65-5525-227-9
2025
- 1ª edição
Arquitetura e trabalho livre II: de Brasília aos mutirões continua a série que reúne escritos de Sérgio Ferro, arquiteto, pintor e professor da FAU-USP (1962-70) e da École Nationale Supérieure d’Architecture de Grenoble (1972-2003), iniciada com Arquitetura e trabalho livre I: O canteiro e o desenho e seus desdobramentos.
Ainda nos primeiros anos de faculdade, Sérgio Ferro juntava-se a Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, aqui presentes em belas evocações, para atuarem em conjunto na torrente de agitações da década de 1960. Conhecido hoje como grupo Arquitetura Nova, suas inquietações surgiram durante o desenvolvimentismo de JK, sobretudo da contradição entre, de um lado, a placidez do traçado urbano e dos edifícios que despontavam em Brasília, e de outro, as degradantes condições de trabalho em seus canteiros. Daí decorreu uma postura crítica em relação aos arquitetos ligados ao PCB — Niemeyer e Artigas à frente. Em paralelo, a reflexão ganhou têmpera com as leituras de Marx e O capital junto a outros jovens professores da USP, ponto alto das ciências sociais brasileiras.
A Arquitetura Nova não confinou suas ideias no papel, alcançando uma franca ida e volta entre teoria e prática, inicialmente com o projeto de casas para colegas e amigos, depois em breves experiências na faculdade de arquitetura de Santos e na construção de escolas pelo interior paulista. Na fórmula, um projeto de baixo custo, aberto à invenção no canteiro, onde predominava o respeito pelo saber e pela saúde do trabalhador. Logo abreviadas com o recrudescimento da repressão política em 1968, essas iniciativas renasceram entre 1989 e 1992, nos mutirões habitacionais realizados durante a gestão municipal de Luiza Erundina em São Paulo.
Completam os onze ensaios deste volume uma apresentação de Pedro Fiori Arantes, organizador da série, e uma “Saudação a Sérgio Ferro” assinada por Roberto Schwarz, amigo de juventude do autor e companheiro na renovação do marxismo realizada por sua geração.
Texto orelha
Arquitetura e trabalho livre II: de Brasília aos mutirões reúne ensaios de Sérgio Ferro que dialogam diretamente com a realidade brasileira. Escritos entre 1963 e o presente, recapitulam experiências práticas e pedagógicas, além de homenagear antigos companheiros e apoiar a atuação de arquitetos junto a movimentos populares. Neste conjunto estão textos programáticos, alguns em tom de manifesto, apontando possibilidades até hoje pouco exploradas para a arquitetura brasileira. Essas intervenções críticas trazem as primeiras reflexões teóricas de Sérgio, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império, seus companheiros da Arquitetura Nova, bem como balanços escritos décadas depois, perfazendo sessenta anos de rigorosa reflexão crítica. Análises pioneiras como “A produção da casa no Brasil”, um clássico ainda atual, convivem aqui com quatro textos recentes de 2015 a 2024, sendo dois deles inéditos; e, ainda, com uma “Saudação a Sérgio Ferro”, assinada por Roberto Schwarz, contemporâneo de Sérgio na virada crítica e imaginativa do marxismo na interpretação do Brasil. A década de 1960 é aqui decisiva. Sérgio e seus companheiros viveram uma gangorra histórica vertiginosa nesses anos, da inauguração de Brasília e reformas estruturais com algum protagonismo popular, até a brutal reviravolta com o golpe de Estado que instaurou 21 anos de ditadura. Desde a faculdade de arquitetura (FAU-USP) no fim dos anos 1950, o grupo desenvolveu experimentações construtivas, propôs pedagogias emancipadoras, realizou pesquisas e formulações teóricas que revolucionaram a crítica e a prática da arquitetura entre nós — além da atuação como pintores e, no caso de Flávio, como cenógrafo, figurinista e encenador. À medida que o regime endurecia, essas iniciativas perderam o chão histórico em que se realizariam de forma ampla, pública e popular. Com o AI-5, em 1968, experimentação arquitetônica e enfrentamento à ditadura rapidamente se afunilaram, levando-os à prisão, à tortura e ao exílio. No texto-manifesto que abre este volume, ainda anterior ao golpe de 1964, o trio da Arquitetura Nova cobra a tomada de uma posição ativa por parte dos colegas arquitetos diante daquele momento histórico, e propõe a “poética da economia”, fornecendo a linha estética e política inicial do grupo nos primeiros projetos. Desde esses experimentos iniciais, a Arquitetura Nova propôs e realizou — ao contrário da chamada Escola Paulista, com suas grandes estruturas de concreto — projetos de baixo custo, abertos para soluções pensadas no canteiro, com materiais facilmente disponíveis e processos construtivos que levam em consideração o saber-fazer e a saúde do trabalhador. Tudo ao mesmo tempo mais racional e mais adequado às condições em que vive grande parte da população na periferia do capitalismo. Em 1967, Sérgio publica “Arquitetura Nova”, texto que marca a ruptura com o mestre Vilanova Artigas e o PCB, ao indicar que o brutalismo havia se tornado um estilo entre outros, uma forma arquitetônica à venda, traindo sua causa social de origem. Sérgio apresenta uma nova proposta teórico-prática para a formação dos arquitetos no Fórum de reforma curricular da FAU-USP em 1968. Como resultado, é convidado por Artigas para desenvolver seus argumentos na forma de um curso, do qual publicamos aqui seus roteiros de aula, esquema fundamental que dará origem a O canteiro e o desenho, escrito posteriormente no exílio na França e publicado em Arquitetura e trabalho livre I. Os demais textos deste volume foram escritos na França a partir dos anos 1990, mas sempre com os olhos voltados para o Brasil. O ponto de partida das rememorações é um testemunho/reflexão crítica sobre a construção de Brasília, fundamental para se compreender a trajetória da Arquitetura Nova. Outros dois ensaios são dedicados a Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, os grandes companheiros de Sérgio Ferro. Logo após, o autor rememora em depoimento inédito o projeto de oito escolas concebidas entre 1966 e 67, fruto de uma encomenda de Mayumi Watanabe de Souza Lima. O conjunto se completa com dois textos abrindo horizontes: um primeiro sobre os canteiros pedagógicos “emancipatórios ou experimentais” em escolas de arquitetura; e outro sobre os mutirões habitacionais, seus arquitetos e trabalhadores que ensaiam práticas coletivas e autonomistas de produção. Assim, revisitamos o “percurso brasileiro” de Sérgio Ferro, vivido intensamente por aqui, depois nos olhando desde o exílio, até sua presença mais frequente no Brasil nos últimos vinte anos.
Sobre o autor
Sérgio Ferro nasceu em Curitiba, em 1938, e foi, durante mais de quarenta anos, professor de História da Arte e da Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1962-1971) e na École d’Architecture de Grenoble (1973-2003). Foi também diretor do Laboratoire de Recherche Dessin/Chantier do Ministério da Cultura da França. Em sua atividade de pesquisador seguiu o ensinamento de Flávio Motta: além dos procedimentos habituais da tradição universitária, a pesquisa deve incluir a experimentação prática. Assim, a maioria de sua obra em arquitetura (associado com Flávio Império e Rodrigo Lefèvre), como em pintura, é constituída por experiências nas quais sua teoria, de fundamento marxista, é diversamente testada. A teoria conduz, entretanto, a resultados praticamente opostos nestas duas áreas, em função de seus posicionamentos diversos na produção social. Em consequência, os dois volumes de Artes plásticas e trabalho livre são o complemento em negativo de Arquitetura e trabalho livre (2006, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas). Tem pinturas em diversos museus internacionais e obra de arquitetura classificada como monumento histórico. É Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres, nomeado pelo governo da França em 1992.
Veja também
|