Busca rápida
digite título, autor, palavra-chave, ano ou isbn
 
Poesia
 
no prelo R$ 57,00
Avise-me quando disponível

Disponível a partir de 10/11/2025
         




 
Informações:
Site
site@editora34.com.br
Vendas
(11) 3811-6777

vendas@editora34.com.br
Assessoria de imprensa
imprensa@editora34.com.br
Atendimento ao professor
professor@editora34.com.br

Fazer círculos com mãos de ave

 

Ana Estaregui


152 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-254-5
2025 - 1ª edição

Num ensaio sobre Dante, T. S. Eliot diz que “a poesia genuína é capaz de comunicar antes de ser entendida”. Isto porque a poesia fala não só à razão, mas ao que em nós vai além do intelecto: corpo, sentidos, emoção, instinto, intuição... Em Fazer círculos com mãos de ave, Ana Estaregui aprofunda sua pesquisa sobre as interações entre natureza e cultura, humano e mais-que-humano, numa escrita não circunscrita a um eu único: “o coração assopra coisas indecifráveis/ dá a ver aquilo que vê/ [...] sem os olhos ensina a pensar/ como pensam os poemas/ como pensam os bichos”.

Essa poética nasce de uma visão de mundo e de linguagem menos antropocêntrica e mais próxima das perspectivas indígenas. Não por acaso, as referências a cantos, crenças, línguas e costumes indígenas proliferam e inspiram muitos dos poemas. Outra ideia forte do livro é a de que “são os poemas que procuram as pessoas/ e não o contrário”. É como se, ao expandir as fronteiras da linguagem e da consciência, a poeta pudesse ouvir a voz da natureza (plantas, animais, elementos) — e a poesia sempre foi o lugar privilegiado para isso: “tenho um pássaro no lugar do coração/ carrego sementes e palha na boca/ ensino espaço/ em troca ele me devolve/ um brevíssimo canto/ regulo o meu ouvido para que ouça”.


Texto orelha

No começo do décimo canto da Odisseia, Éolo guarda em um odre de couro os “rijos ventos”, deixando solto só o “Zéfiro propício” ao retorno de Ulisses. Já perto de Ítaca, os companheiros do herói, gananciosos, decidem abrir o saco, terminando por liberar as ventanias que o afastam mais uma vez do lar. Gosto de pensar que os poemas de Fazer círculos com mãos de ave são instrumentos mágicos parecidos, embora diferentes, como se fossem bolsas contendo pequenos sopros, mas feitas para serem abertas, sacos finamente confeccionados contendo ventos cuidadosamente selecionados, manejados e armazenados, que nos permitem experimentar, sempre brevemente, o voo — mas também a queda.


Ana Estaregui parece, assim, “dar ao sopro um contorno aberto”, ou melhor, permitir, num exercício de ourivesaria etérea, que ele informe a sua poesia. Afinal, “não são as palavras, potes vazios, que aguardam sentidos/ mas os sentidos que desdobram formas barcos constelações”, ou, dito por outra, aqui, são os muitos sentidos (em todos os sentidos) do vento que dão forma aos poemas: “todos os nomes podem dizer o vento/ se souberem — por um segundo —/ se equilibrar em fluxo contínuo”. Dotadas de uma delicadeza ímpar e manual (“o que temos, afinal, é isto: nossas mãos/ nossa forma de aferir o mundo”), sem afetação pequeno-burguesa, essas formas revelam (o que já se anuncia na epígrafe de Clarice Lispector) ser igualmente pungentes, como na constante imagem da devoração, na “voz da faca” de Tuíre (“a voz incorruptível do metal quando encosta na pele”), nos “olhos do lobo” “que são outros lobos/ são a noite — quando se rompe”, ou ainda na transmutação vegetal do sujeito em mata: “isso já não é um corpo/ isso agora é uma selva/ sem lábios, sem nome”.


Nesse “livro aberto dos sopros”, em que “tudo é voo e tudo diz voo”, a parte do fogo nos lembra que “formas são poderes” invocados ou liberados pela leitura, podendo nos levar não para o céu e à sua suposta claridade, como era de se esperar, mas ao chão (presença constante na obra), e ao “escuro da matéria”, nos incitando (outra vez, Clarice) a “aprender do escuro o seu modo de ser”. Não há antinomia ou identidade dos contrários nisso (“a gravidade é um método”, mas não uma lei), como também não há contradição entre a remissão constante a tradições extra-ocidentais (aos Yanomami, aos Huni Kuin, aos Orang Rimba, etc.) e a reflexão de extração vanguardista, ao longo do livro, sobre a relação entre palavras e coisas, ou melhor, entre poemas e bichos. Pois, como Jerome Rothenberg apontou, as poesias dos povos originários são uma técnica, a técnica do sagrado, e nisso elas se encontram com as vanguardas e sua pretensão de, por meio da investigação e refinamento técnicos, “ressuscitar a palavra”, chegar à “palavra viva” (Chklóvski), isto é, à magia. Se “os poemas não pertencem a ninguém/ eles apenas pairam entre as cabeças/ são mariposas voando atrás de claridade”, essas bolsas de vento de Ana Estaregui ensaiam a aspiração máxima da poesia: a de “produzir uma mariposa ao contrário”.


Alexandre Nodari


Sobre a autora

Ana Estaregui nasceu em Sorocaba, SP, em 1987. É poeta e doutoranda em Letras pela Universidade de São Paulo, com pesquisa sobre as relações entre natureza e escrita. Publicou os livros Chá de jasmim (Patuá, 2014, ProAC 2013), Coração de boi (Editora 7Letras, 2016, ProAC 2014, finalista do Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Fundação Biblioteca Nacional) e Dança para cavalos (Círculo de Poemas/Fósforo, 2022, Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura na categoria Poesia). Em Portugal, publicou uma edição de Dança para cavalos pela Editora Língua Morta (2022) e, no Chile, Corazón de buey, pela Editorial Aparte (2023). Trabalha organizando grupos livres de escrita e artes visuais.



Veja também

 


© Editora 34 Ltda. 2025   |   Rua Hungria, 592   Jardim Europa   CEP 01455-000   São Paulo - SP   Brasil   Tel (11) 3811-6777 Fax (11) 3811-6779