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Literatura brasileira
 

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Sobre o que não falamos

 

Ana Cristina Braga Martes


200 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-170-8
2023 - 1ª edição

Uma pré-adolescente que nunca conheceu os pais, criada pelos avós numa cidade pequena, numa casa cercada por segredos. Uma vila de trabalhadores e pequenos comerciantes vivendo sob o jugo das autoridades locais, durante os anos de ditadura militar. Este é o cenário em que se passa o belo romance de Ana Cristina Braga Martes, Sobre o que não falamos.

Espécie de romance de formação, o livro acompanha a jovem protagonista em sua luta para desvendar o mistério sobre seus pais, que será também uma jornada de descoberta das palavras, da história política do país e de sua própria identidade. Com rara sensibilidade psicológica e talento narrativo, a autora nos faz acompanhar os desafios externos que a protagonista enfrenta e os seus dramas internos com igual intensidade.

Unindo a experiência de socióloga a um depurado poder de observação das relações humanas, Ana Cristina Braga Martes nos dá, neste romance delicado e envolvente, um retrato fiel de uma época e uma análise viva de alguns dos problemas mais persistentes da sociedade brasileira, como a injustiça, a herança da ditadura, a violência contra mulheres e as desigualdades de raça e gênero numa sociedade fortemente patriarcal. 


Texto orelha

Em Sobre o que não falamos, Ana Cristina Braga Martes oferece ao leitor a história de uma garota que está entrando na adolescência durante os anos de chumbo vividos no país. Vamos demorar, porém, a conhecer a responsabilidade da ditadura nas vidas simples dos moradores da vila “nem rica nem pobre”, com uma fábrica ao lado regulando o ritmo da existência com seus apitos e as casas com paredes sem reboco, onde a televisão é raridade e o telefone fica no vizinho. Porque é de dúvidas a serem esclarecidas que o romance trata.


A jovem que apenas começa a se fazer mulher não é branca, porque o cabelo ondulado é difícil de pentear, precisando ser preso num elástico que está sempre no pulso. A colega de escola diz, no entanto, que ela não é preta, é quase. Terrível ser quase.


Criada pelo avô libanês, rude a ponto de despertar na neta certo asco, que tenta sobreviver com seu armazém de venda a granel enquanto na cidade os produtos já chegam empacotados, e pela avó, impotente em sua ternura, a cantarolar lembranças italianas, a menina não conhece os pais. Nunca os viu. A lei da casa é a do silêncio, não se conta nada a ninguém. Mas precisa saber, precisa descobrir as verdades tão pouco conhecidas como seus sentimentos, seu corpo e desejos, seus afetos. Só que os tempos não são de revelar verdades, é tempo de mentiras, de se ocultar os fatos, o que aconteceu e o que ainda está acontecendo. Revelações são punidas com surras em casa ou por autoridades que detêm todos os poderes sobre a vila.


Através da narração em primeira pessoa, estratégia feminista que se impôs na literatura contemporânea, aparecem todas as questões que atingem as mulheres numa sociedade submetida à ordem patriarcal. As consequências da desigualdade se abatem sobre aquelas mulheres, que parecem estar sempre a esperar por alguma coisa: violências domésticas, agressões de vários tipos, a criminalização do aborto, a humilhação cotidiana. São mulheres “largadas do marido” ou submissas aos poucos homens que permaneceram nas casas. Para se tornar mulher é preciso coragem, enfrentar os medos, seja dos outros ou de si mesma, esse ser que a jovem ainda não conhece bem. Pequenos sustos e grandes ameaças surgem e precisam, de algum modo, ser enfrentados, mesmo vivendo culpas.


Num ritmo forte e marcado, com capítulos que têm vida própria e que se sucedem formando um corpo único num crescendo, o romance surpreende pela habilidade rara com que espaços e personagens vão sendo construídos a partir dos olhos míopes da garota. É uma mulher que vê, é uma mulher quem fala.


Talvez a mais importante marca do romance seja a capacidade da narrativa, sincera e verdadeira em sua ficcionalidade, de guardar a ambiguidade, as hesitações e as dúvidas que se pode experimentar. Afinal, o que se passou em momentos de perigo pode voltar, seja muito vívido ou opaco demais. Por isso é preciso contar: para não esquecermos que tudo pode acontecer de novo.


Beatriz Resende



Sobre a autora

Ana Cristina Braga Martes é socióloga e foi professora na Fundação Getulio Vargas até 2019, de onde saiu para se dedicar integralmente à literatura. Nascida em Varginha (MG), passou sua infância e juventude em São Carlos (SP), formou-se em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara e doutorou-se pela Universidade de São Paulo (USP), tendo feito parte do seu doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Foi pesquisadora-visitante na Universidade de Boston (BU) e fez pós-doutorado na Universidade de Londres (King’s College). Publicou e organizou diversos artigos e livros acadêmicos no Brasil e no exterior. A origem da água (2019), editado pela Confraria do Vento, foi seu primeiro livro de ficção. Atualmente é colunista da revista Pessoa e colaboradora do jornal Rascunho e da revista Quatro Cinco Um.



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