Christian Morgenstern
Traduções de Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Felipe Fortuna, Montez Magno, Paulo Mendes Campos, Rubens Rodrigues Torres Filho, Roberto Schwarz e Sebastião Uchoa Leite
Projeto gráfico de Raul Loureiro
168 p. - 15 x 22,5 cm
ISBN 978-65-5525-176-0
2024
- 1ª edição
Rara, rarissima avis entre seus conterrâneos, o poeta alemão Christian Morgenstern (1871-1914) não se deixa capturar facilmente. Autor de versos líricos que fazem pensar em Rilke, batia as asas com desenvoltura também no terreno da sátira e da paródia. Capaz de voos místicos em seus últimos anos de vida e criação, foi com os poemas de humor tão inescapável quanto indefinível das Canções da forca (1905) e de Palmström (1910) que Morgenstern conquistou milhares e milhares de leitores nos saraus artísticos de Berlim e Zurique ou nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Grotescos, filosóficos, brincalhões, fabulares e patibulares ou tudo isso ao mesmo tempo, esses poemas abrem as portas para uma revoada de seres fantásticos, encabeçados pelos paradoxais Von Korf e Palmström, todos eles entregues, com ar de quem não quer nada, a desmantelar a vida adulta e burguesa, começando por sua liga mais essencial: a linguagem. Pois, nas palavras do próprio Morgenstern, “burguesa é, sobretudo, a língua. Desaburguesá-la é a tarefa do futuro”. A fim de trazer o leitor para mais perto do “planeta de Morgenstern”, este Jogo da forca reúne traduções feitas ao longo do século XX por poetas e críticos brasileiros de variada plumagem — da vanguarda à universidade, do jornalismo à filosofia — e constante felicidade verbal, arrematadas por um ensaio de Sebastião Uchoa Leite.
Texto orelha
Christian Morgenstern: eis um poeta praticamente desconhecido e absolutamente necessário para os dias atuais, em que tanto carecemos de janelas abertas para a invenção. Viveu há pouco mais de um século, na época de formação da Alemanha moderna. Mas seus poemas bem poderiam datar de hoje ou de amanhã, pois Morgenstern antecipou todas as vanguardas, tal a variedade de experimentos que sua prodigiosa criatividade gerou. A retórica pomposa e as formas dogmáticas de pensamento foram seus alvos prediletos, e foi por meio do nonsense que ele rompeu a bitola estreita do conservadorismo. Conforme nos esclarece Anatol Rosenfeld, lançando mão de palavras do poeta, seu intento era “desaburguesar” a língua para o futuro, ao libertá-la de seus clichês arbitrários. Se, para brincar de forca, é preciso haver dois jogadores, neste volume também se dispõem em duplas o poeta e o tradutor, o poema e o leitor. O clima entre os contendores é semelhante ao do chá do Chapeleiro Maluco em Aventuras de Alice no País das Maravilhas: sentamo-nos à volta das páginas para brindar à imaginação e à alegria. Verve e astúcia, ouvido e faro foram indispensáveis para verter para o português poemas que tanto dependem de piadas certeiras, equilibradas perfeitamente na corda bamba, entre balanceio rítmico e rima surpreendente. A fim de perturbar certa empáfia racional da nossa presunçosa civilização, os versos de Morgenstern propõem fábulas às avessas (pondo em cena, por exemplo, homens e moscas, a eles superiores em faculdades) e valem-se, por vezes, de trocadilhos verbivocovisuais para espicaçar a suposta lógica da linguagem. Inventa ora personagens absurdas como um joelho solitário, ora figuras jocosas capazes de subverter o automatismo dos relógios, movendo as horas para a frente e para trás simultaneamente. Ou, melhor ainda, recomenda o uso de uns óculos que condensam a duração da leitura de um texto em um único instante, suficientemente satisfatório para que não precisemos mais gastar tempo em redundâncias e possamos nos sentir satisfeitos (como um “beato bebê amamentado”), sorrindo ao finalmente compreendermos seu refinado humor. Este Jogo da forca propõe-se a reunir boa parte das traduções dos poemas de Morgenstern publicadas no Brasil da década de 1950 até os anos 1990. Para nossa sorte, alguns deles receberam mais de uma versão, o que nos permite ampliar a compreensão de nuances e variações. Não foi à toa que o poeta alemão foi apreciado pela vanguarda concreta e por críticos literários de alto calibre. Somos agraciados com excelentes transcriações, dentre as quais destacamos as de Montez Magno e de Sebastião Uchoa Leite, que selecionaram um considerável número de poemas por eles traduzidos em sua publicação de Canções da forca, em 1983. Além disso, Sebastião havia apresentado aquela edição com um ensaio admirável sobre o poeta, aqui reproduzido. Para fechar com chave estelar, o organizador desta antologia, Samuel Titan Jr., que convive afetivamente com esses poemas há algumas décadas, complementa o volume com um estudo de ampla envergadura acerca das múltiplas dimensões da obra de Morgenstern. Viviana Bosi
Sobre o autor
Christian Morgenstern nasceu em Munique, na Alemanha, em 1871. A mãe, Charlotte, falece jovem e tuberculosa em 1880. Em 1881, seu pai, Carl Ernst, casa-se novamente e a família se transfere dois anos depois para Breslau (atual Wroclaw, Polônia), onde, ao fim do liceu, Christian ingressa no curso de Economia. Antes de completar os estudos, porém, abandona a universidade e em 1894 ruma a Berlim. Na capital imperial, inicia-se na vida de freier Schriftsteller, prestando serviços para museus, teatros e editoras, assinando artigos e resenhas e realizando traduções de autores como Ibsen, Hamsun e Strindberg. Nesta época publica também seus primeiros poemas, de sabor tardo-romântico, em jornais e revistas. Ao vivenciar o choque das diferentes correntes artísticas em Berlim, da Jugendstil ao expressionismo e às vanguardas, começa a se formar na sua obra a vertente humorística e fabular que o tornaria conhecido. Em 1895 publica seu primeiro livro, In Phanta’s Schloss (No castelo de Phanta), e em 1897, Horatius travestitus. Em 1905 reúne um conjunto de poemas satíricos breves, de sabor nonsense, que vinha apresentando em saraus e cabarés literários, no livro Galgenlieder (Canções da forca), publicado em 1905 pela editora Bruno Cassirer, estampando na capa um desenho de Karl Walser. O livro teve enorme sucesso, e em 1910 lança Palmström, com poemas protagonizados pelo personagem surgido nas Galgenlieder, e quatro anos depois, Alle Galgenlieder (Todas as canções da forca). Em 1908, durante um dos tratamentos da tuberculose contraída na juventude, conhece Margareta von Gosebruch, enfermeira adepta da Antroposofia de Rudolf Steiner, quando inicia-se uma vertente mística em seus textos. Falece em 1914 no sanatório de Obermais, no Tirol (atual Merano, Itália), aos 42 anos.
Sobre o organizador
Samuel Titan Jr. nasceu em Belém, em 1970. Estudou Filosofia na Universidade de São Paulo, onde leciona Teoria Literária e Literatura Comparada desde 2005. Editor e tradutor, organizou com Davi Arrigucci Jr. uma antologia de Erich Auerbach (Ensaios de literatura ocidental) e assinou versões para o português de autores como Adolfo Bioy Casares (A invenção de Morel), Charles Baudelaire (O Spleen de Paris), Gustave Flaubert (Três contos, em colaboração com Milton Hatoum), Jean Giono (O homem que plantava árvores, em colaboração com Cecília Ciscato), Voltaire (Cândido ou o otimismo), Prosper Mérimée (Carmen), Eliot Weinberger (As estrelas), José Revueltas (A gaiola) e Blaise Cendrars (Diário de bordo).
Veja também
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