Erich Auerbach
Organização e prefácio de Leopoldo Waizbort
312 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-190-6
2024
- 1ª edição
Figura é um ensaio fundamental de Erich Auerbach, um dos maiores críticos literários do século XX. Nele, seu autor percorre ao longo de um milênio a formação do modo de interpretação figural, que confere sentido às relações entre o Velho e o Novo Testamento, alcançando inclusive a Antiguidade greco-romana, fundamento da cultura cristã-ocidental. Para essa maneira de pensar a história, Adão e Moisés deixam de ser personagens da história do povo judeu e passam a figuras que anunciam a vinda de Jesus Cristo, unificando passado e presente. Essa visão predominou em toda a Idade Média e, graças ao estudo de Auerbach, pode ser identificada em sua suma, a Comédia de Dante.
O presente volume, organizado e prefaciado por Leopoldo Waizbort, traz uma nova tradução do ensaio, pela primeira vez a partir do original alemão, além de sete estudos correlatos de Auerbach, redigidos entre as décadas de 1920 e 1950, que demonstram a centralidade do tema na obra do autor de Mimesis.
Texto orelha
Figura foi publicado no exílio de Erich Auerbach em 1938 — ano-chave em um tempo de caos econômico-social e da maior guerra já sofrida pela humanidade. Em poucas páginas, eruditas e densas, o ensaio confere sentido a mais de um milênio da cultura cristã-ocidental. Seu autor dava aulas de filologia românica na Universidade de Marburg quando foi incluído nas listas de cassados pelo nazismo. Em 1936, partiu para Istambul, onde foi professor na universidade local e deu continuidade a uma obra que já contava com dois títulos de peso, A novela no início do Renascimento (1921) e Dante como poeta do mundo terreno (1929). Nesses livros, a tônica está na unidade da cultura europeia e já se percebe a amplitude de vistas do autor de Mimesis (1946). No primeiro deles, a singularidade do Decameron de Giovanni Boccaccio só poderia ser entendida após Dante retomar Homero e “juntar novamente mundo e destino”. Além disso, a comparação entre a novela italiana, de caráter aristocrático, e a novela francesa que no início a imitou mas tinha origem burguesa, aponta para o rastilho que levará ao romance do século XIX, matriz da literatura moderna. Já em Dante como poeta do mundo terreno, o autor entende a Divina comédia como suma de sua época e dos laços desta com o mundo cristão e greco-romano. Figura foi concebido para analisar mais detidamente esses vínculos. Auerbach esclarece que a relação do presente medieval com a cultura greco-latina tendeu à alegoria, fato que permaneceu na Era Moderna. Por outro lado, esta aos poucos soterrou o tipo de relação que o mesmo presente medieval costumava estabelecer com o passado do Cristianismo por meio do conceito de figura. O crítico faz uso da filologia românica — da qual foi um dos grandes mestres — ao fundamentar historicamente sua argumentação. Para isso, garimpa nos 217 volumes da Patrologia latina, conjunto de textos cristãos que reúne autores desde Tertuliano (c. 160-c. 220) até o papa Inocêncio III (c. 1160-1216), editados no século XIX por Jacques-Paul Migne. Em Istambul, uma coleção da Patrologia encontrava-se na biblioteca da Igreja de São Pedro e Paulo em Gálata, e Auerbach só conseguiu acesso a esses documentos graças à deferência do então núncio apostólico na cidade, cardeal Angelo Roncalli, futuro papa João XXIII. Segundo o autor, no universo da Divina comédia vige um conceito muito específico de realismo, que só poderia ser compreendido por meio da interpretação figural. Nas palavras de Leopoldo Waizbort, organizador deste volume, “Auerbach procura entender como se estabelece o nexo entre o acontecimento terreno, cotidiano e concreto e a sua existência omnitemporal e perene no plano divino. Esse nexo é de natureza vertical; é ‘figura’”. O conceito ganha corpo na obra de Tertuliano, para quem personagens e fatos narrados no Antigo Testamento são figuras ou profecias reais daqueles do Novo Testamento. O tema foi objeto de muitas discussões doutrinárias nos primórdios do Cristianismo. Para que prevalecesse, entretanto, foi seminal a atuação do apóstolo Paulo e seu entendimento de que o Antigo Testamento não era um livro exclusivo da história do judaísmo, mas de toda a humanidade, virtualmente incluindo a não cristã. Desse modo, Adão ou Moisés são entendidos como figuras que anunciam a vinda de Jesus Cristo e a Salvação. A interpretação figural durante a Idade Média foi tão importante que alcançou também personagens da Antiguidade, como Catão e o poeta Virgílio. “A obra de Dante é a tentativa de uma apreensão simultaneamente poética e sistemática da realidade total do mundo sob essa luz. A graça das forças celestiais vem em auxílio dos que estão ameaçados, na confusão terrena, de perdição”, conclui o autor. Ao longo dos anos, esclarecendo aspectos pouco explorados por vários comentadores ou aprofundando o exame da documentação, Auerbach complementou Figura em uma série de ensaios publicados em revistas universitárias alemãs e norte-americanas. Seis deles são reunidos neste volume, além de um texto preliminar de 1932, “Vico e Herder”, em que o autor intui pela primeira vez o alcance da interpretação figural. Em uma introdução escrita especialmente para este volume, Leopoldo Waizbort, que também assina esta nova tradução de Figura, reconstitui os passos da elaboração da obra e também aponta para os seus possíveis sentidos nos dias de hoje.
Sobre o autor
Erich Auerbach nasceu em 1892, em Berlim, Alemanha. De família burguesa abastada, estudou no Französisches Gymnasium daquela cidade e em 1911 iniciou os estudos jurídicos. Tornou-se doutor em Direito pela Universidade de Heidelberg em 1913 e, no ano seguinte, começou os estudos de Filologia Românica em Berlim. Em outubro de 1914, alistou-se como voluntário para lutar na Primeira Guerra Mundial, quando foi ferido e condecorado. Depois da guerra, retomou os estudos filológicos e doutorou-se três anos mais tarde pela Universidade de Greifswald. Em 1923, casou-se com Marie Mankiewitz, com quem teve seu único filho, Clemens, e no mesmo ano tornou-se bibliotecário na Preussische Staatsbibliothek, em Berlim. Em 1929, sucedeu a Leo Spitzer na cátedra de Filologia Românica da Universidade de Marburg, onde permaneceu até 1935, quando, atingido pelo regime nazista, foi exonerado. Na condição de exilado, voltou a suceder Leo Spitzer em 1936 como professor de Filologia Românica na Universidade de Istambul, Turquia. Durante a Segunda Guerra Mundial, sem acesso a grandes bibliotecas, redigiu Mimesis (1946), obra-prima da crítica literária do século XX. Emigrou para os Estados Unidos em 1947, tornando-se professor da Universidade da Pensilvânia (1948-49), pesquisador do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (1949-50) e, em seguida, professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade Yale, onde lecionou até o ano de sua morte. Faleceu em New Haven, Connecticut, em 1957.
Sobre o tradutor
Leopoldo Waizbort nasceu em São Paulo, em 1965, e é professor titular de Sociologia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, onde leciona desde 1997. Possui graduação em Ciências Sociais pela USP (1987), com mestrado (1992), doutorado (1996) e livre-docência (2003) pela mesma instituição. É autor dos livros As aventuras de Georg Simmel (Editora 34, 2000, Prêmio de Melhor Obra Científica da ANPOCS) e A passagem do três ao um: crítica literária, sociologia, filologia (Cosac Naify, 2007), além de organizador de Os fundamentos racionais e sociológicos da música, de Max Weber (Edusp, 1996), Escritos e ensaios, de Norbert Elias (Zahar, 2 vols., 2006 e 2007), e Figura, de Erich Auerbach (Editora 34, 2024), entre outros.
Veja também
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