Lev Tolstói
244 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-192-0
2024
- 1ª edição
Entre outubro de 1854 e setembro de 1855 houve um dos acontecimentos mais dramáticos da Guerra da Crimeia: o cerco à cidade de Sebastopol, em que o exército do Império Russo, que havia tomado a Crimeia aos turcos, viu-se sitiado pelas tropas enviadas por Inglaterra e França. Um mês após o início do cerco, chega a Sebastopol um jovem oficial da nobreza russa, Lev Tolstói, que tinha então 26 anos de idade e havia acabado de publicar seu primeiro livro.
Na cidade sitiada, Tolstói percorre os hospitais de campanha e os fronts de batalha, deixando seu testemunho em três relatos que combinam reportagem e ficção: “Sebastopol no mês de dezembro”, “Sebastopol em maio” e “Sebastopol em agosto de 1855”. Em prosa enxuta e viva, Tolstói se afasta dos lugares-comuns heroicos e românticos e busca traçar um retrato fiel da experiência da guerra, em todo o seu caráter absurdo e irracional.
Esta nova edição dos Contos de Sebastopol, em tradução direta do russo de Lucas Simone, traz ainda um texto do historiador inglês Orlando Figes sobre a Guerra da Crimeia, um retrato do escritor feito por um ex-colega de regimento e um libelo pacifista em que, três décadas mais tarde, Tolstói reflete sobre o tema geral da guerra.
Textos em apêndice de Orlando Figes, Iulián Odakhóvski e Lev Tolstói
Texto orelha
Em 1851, com apenas 22 anos de idade, Lev Nikoláievitch Tolstói alistou-se no Exército Imperial Russo. Deixava para trás uma vida de luxo, farras e jogatina nas capitais e ingressava nas fileiras armadas em busca de sobriedade e disciplina militar, cheio de expectativas. Após servir dois anos no Cáucaso, o jovem oficial pediu transferência para a frente de combate na Guerra da Crimeia, sendo enviado, por fim, à cidade portuária de Sebastopol, na qual as tropas russas se encontravam cercadas por forças inglesas e francesas, que tinham entrado no conflito ao lado do Império Otomano. Enquanto as potências europeias contavam com jornalistas que acompanhavam a guerra in situ, a Rússia de Nicolau I vivia sob forte censura; ao longo dos onze meses que durou o cerco a Sebastopol, um dos poucos textos a tratarem do conflito, um dos mais importantes da história militar russa, são estes Contos de Sebastopol: publicados na revista O Contemporâneo de forma anônima, no decorrer do conflito, em meio a testemunhos orais e trechos de correspondência, esses três relatos escondem, sob a camada da ficção, um rico conjunto de reflexões sobre o tema da guerra e já delineiam o pendor antibélico do grande romancista. O primeiro, “Sebastopol no mês de dezembro”, ainda hoje chama a atenção por sua originalidade. Valendo-se da narração em segunda pessoa, Tolstói antecipa o trabalho que seria desenvolvido pelos correspondentes e fotojornalistas do século XX, guiando-nos pelos labirintos da cidade sitiada a caminho do temível “quarto bastião”, onde os projéteis inimigos passam a todo momento rente à cabeça dos soldados russos. A minúcia das descrições e a agilidade do texto, que termina com um elogio aos “grandiosos vestígios da epopeia de Sebastopol, cujo herói foi o povo russo...”, causaram impacto em leitores de todo o país, carente que estavam de informações sobre o que se passava na Crimeia. Já em “Sebastopol em maio”, o autor adota uma perspectiva distinta, numa narração que recua para melhor observar, nas palavras de Romain Rolland, “os corações de seus camaradas” e os desdobramentos da comédia humana. Aqui acompanhamos um grupo de oficiais oriundos da nobreza russa que, num momento de descontração, passeiam sob o sol da primavera pelo bulevar da cidade, ao som de música, na companhia de damas e figuras da alta aristocracia, apenas para, logo em seguida, vê-los à iminência do confronto e do perigo. Com grande acuidade psicológica, Tolstói mostra como as fronteiras de classe, os jogos de interesses, o esnobismo e as hierarquias sociais ditam as relações entre os homens, mesmo no quadro da guerra. Em “Sebastopol em agosto de 1855”, conto que retrata a queda da cidade e a derrota dos russos, Tolstói novamente se aproxima do leitor com a história de um jovem e inexperiente oficial que chega a Sebastopol em busca do irmão mais velho, numa clara correspondência com a trajetória do próprio escritor, que se alistara no exército seguindo o exemplo de seu irmão Nikolai. Nesse último conto, deixando de lado todo traço de sentimentalismo, Tolstói nos conduz mais uma vez pelo caos da guerra, através de cenas de batalha de grande maestria literária que irão culminar numa condenação da guerra e numa defesa do pacifismo, mais atual que nunca.
Sobre o autor
Lev Nikoláievitch Tolstói nasce em 1828 na Rússia, em Iásnaia Poliana, propriedade rural de seus pais, o conde Nikolai Tolstói e a princesa Mária Volkônskaia. Em 1845, Tolstói ingressa na Universidade de Kazan para estudar Línguas Orientais, mas abandona o curso e transfere-se para Moscou e depois para Petersburgo. Em 1851 alista-se no exército russo, servindo no Cáucaso, e começa a sua carreira de escritor, publicando os livros de ficção Infância, Adolescência e Juventude em 1852, 1854 e 1857, respectivamente. De volta à Iásnaia Poliana, funda uma escola para os filhos dos servos de sua propriedade rural. Em 1862 casa-se com Sófia Andréievna Behrs, então com dezessete anos, com quem teria treze filhos. Os cossacos é publicado em 1863, Guerra e paz, entre 1865 e 1869, e Anna Kariênina, entre 1875 e 1878, livros que trariam enorme reconhecimento ao autor. No auge do sucesso, Tolstói passa a ter recorrentes crises existenciais, processo que culmina na publicação de Confissão, em 1882, onde o autor renega sua obra e assume uma postura social-religiosa que se tornaria conhecida como “tolstoísmo”. Mesmo assim, continua a produzir obras-primas como as novelas A morte de Ivan Ilitch (1886), A Sonata a Kreutzer (1891) e Khadji-Murát (1905). Espírito inquieto, foge de casa aos 82 anos de idade para se retirar em um mosteiro, mas falece a caminho, vítima de pneumonia, na estação ferroviária de Astápovo, em 1910.
Sobre o tradutor
Lucas Simone nasceu em São Paulo, em 1983. É formado em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2011), com doutorado em Letras pelo Programa de Literatura e Cultura Russa da FFLCH-USP (2019). Publicou diversas traduções do russo, entre elas: Pequeno-burgueses (Hedra, 2010) e A velha Izerguil e outros contos (Hedra, 2010), de Maksim Górki; A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes (Editora 34, 2012), de Fiódor Dostoiévski; O artista da pá, de Varlam Chalámov (Editora 34, 2016); O fim do homem soviético, de Svetlana Aleksiévitch (Companhia das Letras, 2016); Diário de Kóstia Riábtsev, de Nikolai Ognióv (Editora 34, 2017); O ano nu, de Boris Pilniák (Editora 34, 2017); e Dois hussardos (Editora 34, 2020), de Lev Tolstói.
Veja também
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