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Somos animais poéticos:
a arte, os livros e a beleza em tempos de crise

 

Michèle Petit

Tradução de Raquel Camargo

192 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-194-4
2024 - 1ª edição

Numa formulação certeira, o líder ianomâmi Davi Kopenawa afirmou que “os brancos não sabem sonhar” — e o resultado dessa incapacidade se traduz na destruição das florestas, na poluição dos rios, na morte de muitas espécies, levando o planeta e todos os seres que nele habitam à beira da extinção. Como um antídoto a essa “ausência de sonho”, o que a antropóloga e pesquisadora das práticas de leitura Michèle Petit faz em Somos animais poéticos: a arte, os livros e a beleza em tempos de crise é iluminar o modo como a literatura — oral e escrita —, e outras formas de arte a elas associadas, podem nos ajudar a recuperar nossos desejos, e a nos conectar conosco e com o mundo à nossa volta.

Longe de qualquer abordagem maniqueísta, Somos animais poéticos desdobra e aprofunda os temas que tornaram sua autora uma referência mundial nos estudos sobre a leitura, a função das bibliotecas e dos mediadores culturais nos mais diferentes contextos. Dando voz tanto a artistas consagrados como a pessoas anônimas, muitas delas sobreviventes de grandes catástrofes — como a recente pandemia da covid-19, também discutida aqui —, este livro é ele próprio uma afirmação do poder da arte e da beleza, bem como da necessidade que todos temos de, como queria Rimbaud, “reinventar a vida”.


Texto orelha

Em Somos animais poéticos, Michèle Petit reúne os textos de algumas de suas conferências mais recentes, que abordam temas diversos, como a arte e o belo, as línguas, a leitura e os livros, as bibliotecas e a cultura, os contextos de crise. Mas um fio percorre e costura todo o livro: o de que somos “animais poéticos”, ou seja, precisamos da poesia e da beleza em nossas vidas para sobreviver em contextos difíceis, superar traumas e adversidades, nos reconhecermos como indivíduos que têm valor e, portanto, direito à existência, para “domesticar a estranheza da vida e da morte”, sendo, muitas vezes um “antídoto ao horror”.


Desde os primórdios, o ser humano sentiu necessidade de ter contato com a beleza, desenhando seu mundo nas cavernas, esculpindo, bem mais tarde, o mármore, expressando sua subjetividade por meio da pintura e das artes plásticas em geral. Para Petit, a beleza que emana dessa representação do mundo pela arte faz com que o homem se sinta em sintonia com seu próprio entorno e se dê conta de que tem direito a ele, que ele lhe pertence. Além disso, “a beleza traz doçura ao mesmo tempo que acalma, acolhe, traz de volta a capacidade de sonhar, mas também permite dar forma e sentido a acontecimentos insanos, pensar o impensável em vez de se tornar para sempre prisioneiro dele. Reunir os fragmentos, reordená-los num todo. Reaprender a dizer ‘eu’”.


No mundo atual, precisamos, cada vez mais, da beleza e do poético, pois o utilitário, tão em alta, não basta, não nos permite ter a sensação de harmonia entre nós e o mundo, reconhecendo-nos como seres únicos e merecedores de existência. Daí a importância do resgate do belo tal qual vem sendo feito por professores, mediadores culturais e bibliotecários, entre outros, junto a pessoas em situação de abandono, imigrantes, refugiados, indivíduos traumatizados ou que ainda não acharam seu lugar na sociedade. Esse resgate ocorre em espaços aos quais Petit dá grande importância: as bibliotecas, pois nelas se trabalha com o literário, seja em forma de ficção, de poesia, cantos, histórias de vida narradas oralmente.


A literatura tem justamente o poder de criar espaços e paisagens que nos atraem e passam a ser nossos por nos oferecer um mundo em que há respeito, consideração, encantamento, ou seja, o oposto do mundo que está voltado ao utilitarismo, ao lucro, à rapidez, e no qual as pessoas estão “distraídas, desatentas, impacientes”, como afirma Jean-Christophe Bailly, citado por Petit.


Mas a leitura literária nem sempre é algo simples. Petit mostra sua complexidade ao comentar que muitos leitores assíduos, e mesmo escritores, não conseguiam ler obras de ficção durante a pandemia. Outros, ao contrário, buscavam pleno refúgio nos livros. Há também leitores, como ela própria, que não conseguem criar imagens a partir de suas leituras, e isso em contextos normais da vida. Na verdade, afirma Petit, a língua literária não está reduzida a uma dimensão utilitária e, assim, ela permite que cada escrita produza um efeito diferente em cada leitor, de onde toda a riqueza e a importância da literatura.


Cristina Pietraroia


Sobre a autora

Michèle Petit é antropóloga, pesquisadora do Laboratório de Dinâmicas Sociais e Recomposição dos Espaços, do Centre National de la Recherche Scientifique, na França, no qual ingressou em 1972. Desde 2004 coordena um programa internacional sobre “a leitura em espaços de crise”, compreendendo tanto situações de guerra ou migrações forçadas como contextos de rápida deterioração econômica e grande violência social.
Com obras traduzidas em vários países da Europa e da América Latina, Michèle Petit já lançou no Brasil Os jovens e a leitura (2008, Selo “Altamente Recomendável” da FNLIJ), A arte de ler (2009), Leituras: do espaço íntimo ao espaço público (2013) e Ler o mundo (2019), todos pela Editora 34.





Sobre a tradutora

Raquel Camargo nasceu em João Pessoa, em 1987, e vive em São Paulo, onde trabalha como tradutora e editora. É doutora em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês pela Universidade de São Paulo, com estágio doutoral na Universidade Paris-Sorbonne (Paris-IV). Suas pesquisas versam sobre literatura africana francófona e literatura contemporânea francesa, tendo traduzido no Brasil autores como Abdellah Taïa, Scholastique Mukasonga, David Diop, Frantz Fanon, Françoise Vergès, Monique Wittig, Pauline Delabroy-Allard, entre outros.



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