Jogos para atores e não atores
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Augusto Boal
Estabelecimento de texto de Till Baumann
Posfácio de Sérgio de Carvalho
416 p. - 16 x 23 cm
ISBN 978-65-5525-225-5
2025
- 1ª edição
No final da década de 1950, Augusto Boal e seus companheiros do Teatro de Arena revolucionaram — na encenação, no repertório, na atuação, nos figurinos, na relação com o público — o que se entendia por arte teatral no Brasil. Um dos pontos básicos desse novo modo de encenação era tornar o espectador parte ativa do que acontecia no palco. Com intenção abertamente política, em consonância com as promessas democratizantes do desenvolvimentismo barradas pelo golpe de 1964, foi a origem do que Boal chamou mais tarde de espect-ator: “todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até os atores!”. Em 1971, após ser preso e torturado, o teatrólogo parte para um longo exílio, percorrendo o mundo e difundindo suas ideias nas mais variadas situações, inclusive entre pessoas comuns, em lugares comuns como ruas e praças. A suma de todas essas experiências está nas dezenas de exercícios teatrais deste Jogos para atores e não atores.
Muito além das fronteiras do teatro profissional, este repertório de técnicas é utilizado hoje em atividades como a psicoterapia, a educação e a formação política. Até 2008, Jogos para atores e não atores foi constantemente atualizado e, em 2013, a edição alemã incorporou todos os acréscimos feitos por Boal para outras versões europeias, estabelecendo um texto final, aqui adotado. O presente volume inclui textos inéditos em português reunidos em apêndice, constituindo a versão mais completa entre as que circulam atualmente em diversas línguas.
Texto orelha
“Quando eu entrei na arena do Arena, quase fiz a pergunta ingênua: ‘Onde fica o teatro?’. Tímido, fiquei quieto, esperando que me mostrassem o palco, a cena, luzes, ribaltas, cicloramas — queria ver. José Renato mostrou a miúda arena, minúsculos metros quadrados, cinco por cinco. Pouco maior que uma sala de jantar. Devagar entendi que ali era a arena do Arena. Naquele pequenino ali mesmo, ali deveríamos fazer revoluções estéticas...” Em 1956, o jovem dramaturgo carioca Augusto Boal retornara dos Estados Unidos após uma temporada de estudos com John Gassner — o mestre de Tennessee Williams e Arthur Miller. Por indicação de Sábato Magaldi, veio a São Paulo para conversar com o fundador do Teatro de Arena. O grupo começara a atuar em 1953 e, embora com pouquíssimos recursos, teve como referência inicial a carpintaria do teatro europeu praticada por companhias como Os Comediantes e o Teatro Brasileiro de Comédia. Mas em pouco tempo, “ali mesmo” e com Boal na proa, o Arena mudou por completo — na encenação, no repertório, na atuação, nos figurinos, na relação com o público — o que se entendia por arte teatral entre nós. O marco dessa virada aconteceu em 1958, com a encenação de Eles não usam black-tie, do também jovem dramaturgo e ator Gianfrancesco Guarnieri. Sintonizado com as promessas democratizantes do desenvolvimentismo, a parte mais viva do teatro paulistano sacudia a poeira e acertava o passo com os novos tempos, fazendo disso um motor para a criação artística. Foi ao longo desses anos que nosso cinema e nossa música popular — não por acaso, como notou Roberto Schwarz, artes públicas como o teatro — também se reinventaram. O Brasil nunca havia visto tamanha concentração de talentos atuando e interagindo ao mesmo tempo. Essa corrente coletiva deu a tônica da nossa cultura para além do golpe de 1964 e só foi barrada com o Ato Institucional nº 5 em 1968. Jogos para atores e não atores reúne dezenas de exercícios cujo núcleo irradiador está nas experimentações do Teatro de Arena ao longo das décadas de 1950 e 60. A nota coletiva de todas elas não se limitava à criação do espetáculo cênico por diretor e atores, mas supunha também o envolvimento ativo do espectador. Nasciam a partir daí os dois princípios do que Augusto Boal chamaria mais adiante de Teatro do Oprimido: “1) a transformação do espectador em protagonista da ação teatral e, através dessa transformação, 2) a tentativa de modificar a sociedade, e não apenas interpretá-la”. Disso decorre o conceito de espect-ator, que se manifesta nos processos do Teatro Imagem e do Teatro Fórum, bases deste volume. Em 1971, após ser preso e torturado, Boal deixa o Brasil para um longo exílio, passando por Argentina, Portugal e, finalmente, França — o que não o impediu de continuar a atividade teatral. Suas ideias deixavam o “ali mesmo” do pequeno Teatro de Arena para ganhar o mundo. Durante esses anos, publica Técnicas latino-americanas de teatro popular (1975), 200 exercícios e jogos para o ator e o não ator com vontade de dizer algo através do teatro (1977) e Stop: c’est magique! (1980). Jogos para atores e não atores saiu originalmente em 1998 e é uma espécie de suma de todos os livros anteriores. E, como nos anteriores, a técnica não é entendida aqui num sentido simplório, mas como um meio para humanizar. “Creio que o teatro deve trazer felicidade, deve ajudar-nos a conhecermos melhor a nós mesmos e ao nosso tempo. O nosso desejo é o de melhor conhecer o mundo que habitamos para que possamos transformá-lo da melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade. O teatro pode nos ajudar a construir o futuro, em vez de mansamente esperar por ele.”
Sobre o autor
Augusto Boal nasceu em 1931, no Rio de Janeiro. Formou-se em engenharia química pela UFRJ, e em 1952 viaja para os Estados Unidos para estudar na Escola de Arte Dramática da Universidade Columbia, onde frequenta os cursos de John Gassner. De volta ao Brasil, em 1956, passa a integrar o Teatro de Arena, formado por Boal, José Renato, Giafrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e outros, grupo que promove uma verdadeira revolução estética nos palcos brasileiros, com peças como Eles não usam black-tie (1958) e Arena conta Zumbi (1965). Na esteira do golpe militar de 1964, Boal é preso e torturado em 1971. Exila-se na Argentina com Cecilia Thumim, onde organiza Teatro do Oprimido, seu livro mais conhecido, lançado em 1974. Muda-se para Portugal em 1976, e dois anos depois se estabelece na França, onde passa a atuar e criar vários núcleos baseados em sua obra. Publica a primeira edição de Jogos para atores e não atores em Paris, ainda em 1978. Com o fim da ditadura, retorna ao Brasil em 1986, estabelecendo-se no Rio de Janeiro. Em 1992, é eleito vereador pelo Partido dos Trabalhadores e desenvolve mais uma de suas técnicas, o Teatro Legislativo. Lança em 2000 um livro de memórias, Hamlet e o filho do padeiro, e em 2009 a Unesco lhe confere o título de “Embaixador do Teatro Mundial”. Faleceu em 2009, no Rio de Janeiro.
Veja também
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