Christine de Pizan
Introdução de Eric Hicks e Thérèse Moreau
304 p. - 16 x 23 cm
ISBN 978-65-5525-205-7
2024
- 1ª edição
Escrita por Christine de Pizan entre 1404 e 1405, A Cidade das Mulheres é considerada a primeira obra feminista da história da literatura ocidental. Nascida em Veneza em 1364, Christine recebeu uma educação refinada na corte de Carlos V, em Paris, onde seu pai atuava como secretário e astrólogo. Espírito espantosamente moderno, ela reuniu um conhecimento excepcional e colocou sua inteligência e sua cultura a serviço das mulheres, denunciando a misoginia dominante em seu tempo, especialmente nos meios clericais.
Inspirada na Cidade de Deus, de Santo Agostinho, Christine de Pizan concebeu uma cidade utópica composta exclusivamente por mulheres, ao abrigo das calúnias e injustiças dos homens. Em seu livro, a autora, hoje reconhecida como a primeira mulher a viver profissionalmente de sua escrita, recupera figuras femininas de diferentes épocas — guerreiras, artistas, sábias, amantes e santas —, reinterpretando-as como símbolos de resistência e sabedoria. Recorrendo à história e às mitologias grega e romana, aos poemas de Ovídio e Virgílio, a episódios da Bíblia, contos de Boccaccio e mais um sem-número de fontes, Christine debate com grandes nomes do pensamento e da retórica, como Aristóteles, Cícero e muitos outros.
Com coragem e erudição, A Cidade das Mulheres aborda temas surpreendentemente modernos, como o estupro, a igualdade entre os sexos, o acesso das mulheres ao saber e o reconhecimento da autonomia do próprio desejo, revelando-se uma obra fundamental para a história das mulheres e sua longa trajetória de lutas por uma existência plena em todos os domínios da ciência, da cultura e da vida social.
Texto orelha
Pode um livro escrito há mais de quinhentos anos trazer uma contribuição significativa sobre a questão da desigualdade de direitos e desvalorização imposta às mulheres? Minha resposta é afirmativa, visto que um preconceito não se produz e se instala em comportamentos globais se não for repetido por séculos de condutas excludentes em todos os lugares do mundo. Não se elimina esse comportamento naturalizado por meio de um ou outro decreto de autoridades políticas ou religiosas, que, aliás, não têm nenhum interesse em fazê-lo. Nesse particular, Christine de Pizan (1364-1431), nascida em Veneza e radicada na França, embora fosse uma mulher cristã privilegiada por sua classe e pelos estudos que pôde fazer em casa, percebeu como poucas as injustiças das quais as mulheres eram vítimas. E a tal ponto as percebeu que essa questão se tornou para ela uma questão teológica. Assim a formulou: “Como Deus que é bom poderia ter criado algo que não fosse bom? Como poderia Deus errar em sua criação?”. Devia haver um equívoco para que as mulheres fossem consideradas inferiores e más. De onde viria ele? Christine então, sozinha em seu quarto, recebe uma revelação divina à maneira da estrutura do Evangelho de Lucas. Em vez do anjo que anuncia a Maria que ela será a mãe de Jesus, o filho de Deus, aparecem a ela três damas divinas que lhe anunciam a construção da Cidade das Mulheres. E como Maria, Christine lhes pergunta como se faria isso, visto que ela era mulher de poucas virtudes e habilidades para tanto. As três Damas se apresentam a ela: a primeira é a dama Razão, a segunda é a dama Retidão, e a terceira, a dama Justiça. E como Maria de Nazaré, ela responde às damas dizendo-lhes o quanto ela não merecia a honra de fazer nascer para o mundo a Cidade das Mulheres. A cidade teria características específicas, pois acolheria especialmente as que foram rejeitadas por serem mulheres e se construiria a partir de virtudes que na realidade não existem nas cidades dos homens. Os diálogos entre ela e as três divinas mulheres são cheios de histórias e de humor. Ao longo de séculos muitas mulheres se inspiraram na nova Cidade das Mulheres proposta por Christine de Pizan. Talvez algumas tenham ido até mais longe do que ela, expondo seus corpos e suas ideias às intempéries da misoginia instalada e hoje denominada “sociedade patriarcal”. Embora as ideias de Christine possam parecer inaplicáveis ao mundo contemporâneo, elas seguem sendo uma inspiração de insubmissão e desafio ao patriarcalismo, revelando sua fragilidade. Ela nos convoca a “queimar as velhas hipocrisias” que nos tornaram obedientes e submissas às ordens masculinas, assim como a quebrar estereótipos que continuamos a manter. As esdrúxulas acusações que Christine ouvia sobre as mulheres ainda podem ser ouvidas nos tempos atuais saídas da boca de políticos, juízes, clérigos, locutores, comentaristas etc. E poderiam ser repetidas, com variações, as denúncias dessa mulher, extraordinária em seu tempo, que nos fazem ver a persistência das ideias hierárquicas e excludentes. As reflexões de Christine de Pizan provocam nosso pensamento e nossas ações em favor de relações menos preconceituosas com as mulheres e com todos os seres declarados inferiores ou indignos. Christine, cristã fervorosa, não hesitou em buscar exemplos de mulheres valentes no Judaísmo, na Roma Antiga e na mitologia grega, bem como na própria história do Cristianismo, para valorizar a inventividade feminina em muitas situações. Ao longo das três partes do livro, de leitura sempre leve e agradável, podemos saborear os condicionamentos e perguntas de uma época e sermos convidadas a enfrentar os problemas atuais que são variações da mesma opressão sofrida pelas mulheres de outrora. Um presente valioso para todas e todos que abraçam a causa da liberdade e da dignidade humana. Ivone Gebara
Sobre a autora
Nascida em Veneza, em 1364, Christine de Pizan mudou-se aos quatro anos de idade para Paris, onde seu pai trabalhou como secretário, astrólogo e médico do rei Carlos V, da França. Casou-se aos quinze anos com Étienne du Castel, um notário da corte francesa, dez anos mais velho. Quando este morreu, Christine, com 25 anos, viu-se em situação financeira precária e com a responsabilidade de sustentar sua família. Foi essa necessidade que a impeliu a escrever e depois montar um ateliê de manuscritos e iluminuras. Suas primeiras obras, compostas em verso, abordavam temas tradicionais da poesia cortês, mas rapidamente evoluíram para incluir reflexões mais complexas sobre a política, a moral e o papel das mulheres na sociedade. Christine alcançou grande notoriedade ao iniciar uma polêmica em torno do Roman de la Rose, um poema alegórico bastante difundido na época, cuja segunda parte era declaradamente misógina. Isso não apenas elevou sua reputação de escritora corajosa e independente, mas também destacou seu compromisso em defender a honra e a capacidade intelectual das mulheres, antecipando muitas das ideias que ela viria a desenvolver em A Cidade das Mulheres, sua obra mais célebre, concluída em 1405. Além desta, publicou muitos outros livros, entre eles Epistre au Dieu d’amours (1399), Le Dit de la Rose (1402), Le Livre du chemin de longue étude (1403), Le Livre des faits et bonnes moeurs du sage Roi Charles V (1404), e Le Livre des trois vertus (1405). Por volta de 1418, momento de grande instabilidade política na França, Christine de Pizan retirou-se para um convento em Poissy, perto de Paris, onde escreveu o poema Le Ditié de Jeanne d’Arc (1430), vindo a falecer em 1431.
Sobre o tradutor
Jorge Henrique Bastos nasceu na cidade de Belém do Pará, e viveu em Portugal entre 1989 e 2006. Nesse país, trabalhou em jornais e revistas como o Diário de Lisboa, Independente, LER, Colóquio-Letras e Camões, além de colaborar no semanário Expresso, de 1994 a 2004. Em Lisboa, organizou o livro A criação do mundo segundo os índios Ianomami (1994) e a primeira edição portuguesa de Macunaíma, de Mário de Andrade (1998). Em 1998, publicou o livro de poemas de sua autoria, A idade do sol. Entre outros trabalhos, organizou os livros Poesia brasileira do século XX: dos modernistas à atualidade (2002) e O corpo o luxo a obra, de Herberto Helder (2000), o primeiro livro do poeta luso lançado em nosso país. De volta ao Brasil, estabeleceu-se em São Paulo, onde trabalhou como editor na Martins Fontes, no Empório do Livro e na B4 Editores. Como tradutor, verteu ao português, entre outras obras, Gaspar Noturno, de Aloysius Bertrand (2024), e dois livros de Antonin Artaud, Cartas de Rodez (tradução e notas, 2023) e O teatro e o seu duplo (tradução, posfácio e notas, 2024).
Veja também
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