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Mitologia dos índios Chulupi

 

Pierre Clastres

Tradução de Ian Packer
Organização de Michel Cartry e Hélène Clastres
Posfácio de Beatriz Perrone-Moisés

224 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-210-1
2024 - 1ª edição

Inédito em português, Mitologia dos índios Chulupi é fruto de um trabalho de campo realizado por Pierre Clastres no Chaco paraguaio em 1966, durante o qual recolheu um precioso conjunto de 73 mitos. Quando faleceu precocemente, em 1977, o autor já havia dado uma das mais relevantes contribuições à antropologia, deixando artigos a serem reunidos e investigações por desenvolver. Este livro, que permaneceu inacabado, ganhou forma graças a Hélène Clastres e Michel Cartry, que buscaram organizar essa mitologia de forma peculiar, “deixando a elaboração nascer da própria matéria”, como o próprio Clastres o teria feito.

Além dos mitos, a obra reúne uma descrição geográfica do Gran Chaco, de inegável valor documental e literário, documentos etnográficos produzidos em campo, narrativas de guerra dos Chulupi e uma belíssima homenagem a Alfred Métraux, pioneiro da moderna antropologia ameríndia. O volume inclui ainda um posfácio de Beatriz Perrone-Moisés, escrito especialmente para esta edição.

Os Chulupi — ou Nivaclé (os humanos), como se denominam —, formam hoje uma população com cerca de 14 mil pessoas, vivendo entre o Paraguai e a Argentina na mesma geografia de rudes contrastes climáticos em que Clastres a encontrou, onde a sobrevivência depende de uma profunda interação com o mundo natural. Essa sociedade marcada por um ethos guerreiro é aqui retratada numa profusão de histórias, por vezes bem-humoradas e quase sempre protagonizadas por animais, revelando a um só tempo seu modo de se relacionar com o cosmos e de se imaginar dentro dele.


Texto orelha

Esta edição da Mitologia dos índios Chulupi deve ser comemorada, pois completa a publicação dos trabalhos etnográficos de Pierre Clastres em português. Ela destaca de forma inequívoca o interesse de Clastres pela oralidade, profundamente marcado em seus trabalhos anteriores junto aos Guayaki e aos Guarani. Para Clastres, os diferentes usos da palavra por uma sociedade revelam qualidades fundamentais de seus modos de ser e de pensar — observação inescapável para compreendermos a centralidade da fala tanto em suas etnografias como em suas conhecidas reflexões sobre a política.


O corpus mitológico deste livro resulta de uma pesquisa etnográfica feita em 1966 entre várias aldeias chulupi no Paraguai. Ele consiste em um conjunto de narrativas cuidadosamente transpostas do chulupi para o espanhol, trabalho feito ainda em campo por Clastres em diálogo com os indígenas Juan e Walter Flores. Os 73 mitos aqui apresentados, organizados em oito seções temáticas, trazem reflexões dos Chulupi (autodenominados Nivaclé, “os humanos”) sobre uma miríade de temas, relacionando nuvens e doenças, caça e eclipses, mel e afinidade, o tempo e os perigos do fim do mundo — uma fina filosofia que atravessa o mundo social e o mundo natural, o passado e o presente, revelando em lampejos um vasto universo do qual os Chulupi são parte — a civilização do Chaco, nas palavras de Clastres.


Além de mitos, o livro traz narrativas de guerra entre os Chulupi e outros povos do Chaco, como os Toba e os Mataco, que foram fundamentais para que Clastres construísse seu entendimento da sociedade chulupi como uma “sociedade de guerreiros”, e avançasse algumas de suas teses sobre as relações entre guerra, vida social e autonomia entre os povos ameríndios. Entre as memórias guerreiras dos Chulupi, merecem destaque as narrativas de confrontos com soldados argentinos e bolivianos no início do século XX, que retratam a resistência desse povo à violência trazida pelos governos nacionais ao coração de seu território, e a registram com um sabor próprio aos seus modos de narrar.


As ricas notas de rodapé que acompanham as narrativas oferecem detalhes etnográficos importantes para o entendimento dos mitos, bem como esboços de análises. Elas ensaiam comparações internas ao corpus, sugerem conexões entre a mitologia chulupi e as de outros grupos do Chaco, além de evocar temas que se espalham pela América do Sul indígena. Igualmente ricos são os documentos etnográficos que encerram o livro, com descrições sobre a organização espacial, a onomástica e a terminologia de parentesco, o casamento, as atividades sazonais, a chefia e o xamanismo, e aspectos da vida ritual. Ainda que inacabadas, as observações etnográficas de Clastres dão testemunho de sua imensa atenção aos detalhes e do seu rigor como etnógrafo. Apontam para o tratamento cuidadoso que ele pretendia dar ao material (projeto interrompido por sua morte prematura), e seu desejo de preencher as lacunas na etnologia do Chaco notadas por Alfred Métraux, aqui homenageado.


Com um conjunto de mitos belamente traduzidos do francês ao português, e fragmentos preciosos de uma experiência etnográfica que não pôde ser elaborada até o fim, Mitologia dos índios Chulupi nos conduz em uma viagem pelo Gran Chaco, a bordo do pensamento de um dos povos que ali vivem, e resistem. 


Antonio Guerreiro


Universidade Estadual de Campinas


Sobre o autor

Pierre Clastres nasceu em Paris, em 1934. Formou-se em filosofia na Sorbonne em 1957, e durante os anos de licenciatura se orientou para a etnologia, frequentando seminários de Claude Lévi-Strauss e Alfred Métraux. Nos anos 1960 realizou missões etnológicas entre diferentes tribos indígenas no Paraguai: os Guayaki, ou Aché, em 1963, os Guarani em 1965, e os Chulupi em 1966 e 1968. Em 1966, um ano após seu doutorado, tornou-se membro do Laboratório de Antropologia Social do CNRS, em Paris, dirigido por Lévi-Strauss, onde permaneceu até 1974. Passou ainda breves temporadas com os Yanomami, na Amazônia venezuelana, em 1970, e com os Guarani, no Brasil, em 1974. Em 1975 tornou-se directeur d’études da École Pratique des Hautes Études, 5ª seção, em Paris. Faleceu em um acidente automobilístico em 1977, em Gabriac, no sul da França. Publicou os seguintes livros: Chronique des indiens Guayaki (1972, baseado em sua tese de doutoramento defendida em 1965), La société contre l’État (1974), Le grand parler (1974) e Archéologie de la violence (1977). Postumamente foram publicados os volumes Recherches d’anthropologie politique (1980) e Mythologie des indiens Chulupi (1992).



Sobre o tradutor

Ian Packer nasceu em São Paulo, em 1985, e é antropólogo, tradutor e professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor em Antropologia Social pela Unicamp e pesquisador do GAIA (Núcleo de Estudos dos Povos da Terra) na UFES, dedica-se a pesquisas nas áreas de etnologia indígena e antropologia linguística, com ênfase em poética e tradução das artes verbais ameríndias.



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