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A imagem fantasma

 

Hervé Guibert

Tradução de Lucas Eskinazi e Nina Guedes

160 p. - 14 x 21 cm
ISBN 978-65-5525-184-5
2024 - 1ª edição

A imagem fantasma, de Hervé Guibert (1955-1991), um dos principais nomes da literatura francesa contemporânea e também fotógrafo profissional, entrelaça narrativas confessionais, crítica de arte, devaneios e teoria da imagem fotográfica, tecendo uma investigação poderosa sobre as múltiplas dimensões da fotografia e seus nexos com o corpo, o tempo, a beleza, o desejo, a escrita e a proximidade da morte.

Em mais de sessenta textos breves, repletos de afetos e insights, é também o autor que se desnuda, ao explorar os significados dos álbuns de família, das fotos de viagem, dos autorretratos — uma de suas obsessões —, bem como das imagens pornográficas, dos cartazes das estrelas de cinema, das fotos policiais e de outras modalidades da imagem, numa reflexão permeada de referências a obras suas e de outros fotógrafos, de Cartier-Bresson a Duane Michals.

Movido por um erotismo transgressor, presente também em Ao amigo que não me salvou a vida — livro de 1990, considerado precursor no gênero da autoficção e que o transformou da noite para o dia em celebridade —, Guibert combina em A imagem fantasma literatura e fotografia de modo extremamente original, questionando o que legitima e sustenta uma imagem, e inserindo-se numa linhagem de autores como Susan Sontag, Roland Barthes e André Rouillé.


Texto orelha

Talvez a melhor forma de definir o conjunto de ensaios que compõem este livro seja como uma suíte, uma dança entre fotografia e literatura. O termo aparece no ensaio “Suíte, série, sequência”, sendo a suíte fotográfica um grupo de imagens em que cada uma possui autonomia, mas que, vistas em conjunto, formam um sentido maior e não aleatório.


Como numa dança, Hervé Guibert — autor que combinava as qualidades de escritor e fotógrafo — nos conduz pelos quadros de sua composição, em um movimento sutil que é tanto narrativo quanto reflexivo. Por vezes, a sensação que provoca nos aproxima do flâneur, essa personagem típica da Paris do século XIX que vaga anônima pelas ruas da metrópole, capturada por suas diversidades e enigmas — figura que depois seria associada ao fotógrafo de rua. No ensaio “A prova pelo absurdo”, por exemplo, somos levados a uma pequena livraria de ocultismo na rua Saint-Jacques, em Paris, onde um homem detecta feitiços através de fotografias. Hervé declara que esse homem de fato adivinhou um acontecimento passado que ocorrera com uma amiga e, ao final do texto, convida os leitores a entrarem no jogo: “A história é perturbadora, vocês não acreditam?”.


Quase sempre incluindo elementos biográficos, e aparentemente despretensiosas, essas narrativas são também a forma como Guibert propõe suas reflexões sobre a fotografia. É uma hábil construção que se retroalimenta constantemente, na medida em que as imagens evocadas produzem texto e pensamento, e o texto, imagens. Em “Difração”, ele nos oferece uma belíssima metáfora para o ato fotográfico ao compará-lo com o flerte através do reflexo de uma janela do metrô. Essa cena rápida constela instantes, acasos, desejos e a mediação de um aparelho, elementos intrínsecos ao fenômeno fotográfico. Em outros textos, a carga biográfica se acentua, e talvez o ápice dessa mescla entre relato pessoal e teoria da imagem seja o ensaio que dá título ao livro, “A imagem fantasma”, em que acompanhamos uma sessão de fotos que o autor, então com dezoito anos, propôs à sua mãe. A situação, em retrospecto, acaba servindo para pensar a relação da fotografia com o desejo e com o tempo, na sua constante vizinhança com a morte, implicada em cada instante fixado pela câmera.


Nesse sentido, um dos textos mais surpreendentes, “A foto, o mais próximo possível da morte”, revela como essa abordagem, esse tom da escrita do autor, mediado por uma naturalidade construída, não raro reserva belas surpresas. Ali Guibert nos revela o ano em que conheceu certo escritor que nomeia apenas com as iniciais, “R. B.”: 1977. Fala também de sua vontade de fotografá-lo e à sua mãe doente, de quem cuidava. Com o falecimento da senhora, a “aventura”, como Hervé designa o intento, acaba não acontecendo. Para além da discussão que se segue, sobre a relação da fotografia com a perda e o dilema moral da representação fotográfica da dor, Guibert faz também uma discreta declaração de pertencimento: 1977 é o ano da publicação de Sobre a fotografia, de Susan Sontag, obra fundamental sobre o tema, em que a autora discute precisamente, entre outros assuntos, a relação da fotografia com a dor e a guerra. Quanto a “R. B.”, trata-se de ninguém menos que Roland Barthes, célebre teórico francês cujo livro, A câmara clara, igualmente sobre fotografia, foi escrito após a morte de sua mãe e publicado em 1980, um ano antes deste A imagem fantasma. Aliás, “aventura” é o termo que Barthes utiliza para descrever a atração que certas fotografias exercem. Se os leitores brasileiros já tinham acesso a essas duas outras obras fundamentais, agora, com Hervé Guibert, o tríptico está completo.


Fábio Furtado



Sobre o autor

Hervé Guibert nasce 1955 em Saint-Cloud, um subúrbio de Paris, numa família de classe média. Depois de fracassar duas vezes no exame de admissão para um curso superior de cinema, vive como jornalista freelancer escrevendo críticas para revistas. Em 1977, aos 21 anos, publica seu primeiro romance, La mort propagande, que antecipa muito de sua obra posterior ao combinar o confessional e o ficcional. Nesse mesmo ano, torna-se crítico de fotografia no jornal Le Monde. Em seguida, Guibert cumpre uma trajetória meteórica: escreve roteiros (como o do filme de Patrice Chéreau L’homme blessé, 1984, Prix César), romances (como Des aveugles, 1985, Prix Fénéon), peças de teatro, contos, artigos, ensaios, e fotografa intensamente, mantendo contato com grandes nomes da cultura francesa, de Roland Barthes a Isabelle Adjani. Em 1990, já portador do vírus da AIDS, publica o livro À l’ami qui ne m’a pas sauvé la vie, no qual descreve, sob o véu da ficção, os últimos estágios da doença que matou Michel Foucault ao mesmo tempo em que revela publicamente sua própria soropositividade. A obra causou escândalo e teve enorme sucesso. Entre julho de 1990 e março de 1991, Guibert registra cenas de sua vida cotidiana com o vírus para o filme La Pudeur ou l’Impudeur, sob sua própria direção, e cuja montagem é concluída pouco antes de sua morte. Em 12 de dezembro de 1991, tenta o suicídio com uma dose de digitalina e vem a falecer duas semanas depois.



Sobre os tradutores

Lucas Eskinazi, pesquisador e artista, nasceu no Rio de Janeiro em 1990. É mestre em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e atualmente cursa o doutorado na mesma instituição. Com Nina Guedes, traduziu o ensaio “Potências do falso” (Revista Ars, 2018), de Eric Baudelaire. Teve trabalhos expostos em São Paulo no Museu de Arte Contemporânea da USP, no Instituto Moreira Salles, no Centro Cultural São Paulo, e vem participando regularmente de festivais de cinema como a Mostra Tiradentes e o Festival Ecrã.


Nina Guedes, artista plástica e tradutora, nasceu em São Paulo em 1993. É formada em Artes Visuais pela Villa Arson (École Nationale Supérieure d’Art de Nice) e Mestre em Poéticas Visuais pela ECA-USP. Verteu para o português o livro de Pascal Quignard Da imagem que falta aos nossos dias (Zazie Edições, 2018), o ensaio do artista Eric Baudelaire “Potências do falso” (Revista Ars, 2018), e o poema Apaixonadamente (Dolce Stil Criollo, 2024), do poeta apátrida Ghérasim Luca. Teve seus trabalhos expostos no Museu de Arte Contemporânea da USP e na Casa do Povo em São Paulo, no Espace GRED e no La Chambre em Nice, na França, entre outros.



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