Cidade de muros
Crime, segregação e cidadania em São Paulo
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Teresa Pires do Rio Caldeira
Coedição: EDUSP
400 p. - 16 x 23 cm
ISBN 978-85-7326-188-2
2002
- (3ª edição - 2011)
O aumento dramático da violência em São Paulo nos últimos anos tem como contrapartida o fracasso da justiça e da polícia em combater a violência e a criação de formas inéditas de discriminação social. Cidade de muros, da antropóloga Teresa Caldeira, analisa em detalhes a maneira pela qual crime, medo e desrespeito aos direitos dos cidadãos associaram-se a transformações urbanas em São Paulo, produzindo um novo padrão de segregação espacial durante as duas últimas décadas. Tal combinação de violência cotidiana e falência institucional tem sérias consequências: a privatização da justiça e da segurança, o apoio a ações ilegais e violentas da polícia, e a reclusão de segmentos da sociedade em enclaves fortificados. O resultado é a fragmentação do espaço público, a valorização da desigualdade e o incentivo ao preconceito em relação a vários grupos sociais. Fatores que, na argumentação da autora, representam os principais desafios à consolidação da democracia e do estado de direito no Brasil.
Texto orelha
Um dos enigmas a desvendar na história republicana do Brasil é a longa continuidade da violência ilegal do Estado contra os cidadãos. Caem regimes autoritários, instauram-se democracias, constituições se aperfeiçoam e a repressão fica cada vez mais letal. Procurar respostas apenas no funcionamento do aparelho do Estado — ou das polícias — sempre foi empreitada frustrada. Impossível entender o consistente desrespeito à lei pelo Estado no Brasil sem levar em conta as complexas configurações sociais onde as instituições se enraízam. Cidade de muros é contribuição inestimável para compreender o paradoxo do avanço da democracia (e consequente aumento da mobilização da sociedade civil, mesmo com cidadania precária) cum repressão policial ilegal. Teresa Caldeira foi capaz de apontar novas respostas porque teve a ousadia de ouvir, sem preconceitos, as múltiplas e contraditórias vozes na sociedade brasileira contemporânea. É magistral o exame das estruturas polifônicas das narrativas do crime e da reordenação simbólica de um mundo partido pela experiência vivida da violência arbitrária. Longe de sugerir causalidades mecanicistas, a análise demonstra como o discurso sobre o crime é fator fundamental para engendrar pautas de segregação social e espacial. A fala opera, coopera, para validar abusos das instituições encarregadas do controle da violência e contribui, com eloquência, para negar os direitos da cidadania. Mostra a intrincada articulação entre as falas, verbalizando escalas de valores que se acomodam com a ilegalidade, e as práticas cruéis nas instituições, que esvaziam a retórica impotente do discurso de respeito aos direitos pelos governantes. Há em Cidade de muros uma cuidadosa reconstituição das práticas dos agentes policiais e do quadro de injustiça legal nesses quinze anos de consolidação democrática. Hoje o Estado democrático não coordena a tortura como na ditadura, mas a tortura continua sendo sistemática nas delegacias de polícia e de rigueur em todas as prisões do país. As vítimas são as “classes torturáveis”, de que falava Graham Greene — os criminosos de direito comum, pobres e negros. Além disso, há uma divisão social do trabalho — se a polícia civil tortura, a polícia militar mata suspeitos, o conjunto resultando não em controle da criminalidade, mas em dramática intensificação da violência. Das falas às instituições, a análise se aprofunda no estudo dos padrões de segregação espacial da vida na cidade — ponto alto entre as tantas contribuições originais do livro. Afinal, numa sociedade onde discriminação e hierarquias assumiram formas tão sutis, o discurso e as práticas da violência teriam necessariamente de se projetar no espaço urbano. Conjugando a segurança privada e o mito da possibilidade de isolamento autossuficiente, os novos condomínios residenciais, verdadeiros enclaves fortificados, levam à implosão de qualquer possibilidade de sobrevivência da esfera pública. O que confere excepcional qualidade a Cidade de muros é não proceder apenas à desmontagem, com método e suprema clareza, dos múltiplos elementos dos espaços segregados, mas identificar na vida das cidades o elo essencial, quase perdido, para se entender os obstáculos à consolidação da democracia no Brasil. Teresa Caldeira fez uma análise brilhante e instigante dos numerosos desafios não respondidos pela democracia e dos múltiplos impasses que a sociedade civil enfrenta na luta pelos direitos. Paulo Sérgio Pinheiro
Sobre a autora
Teresa Pires do Rio Caldeira nasceu em São Paulo, em 1954, e estudou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, instituição onde defendeu seu mestrado em 1982 sob a orientação de Ruth Cardoso. Foi pesquisadora do Cebrap por quinze anos e professora do Departamento de Antropologia da Unicamp entre 1988 e 1996. Desde 2007 leciona no Departamento de Planejamento Urbano da Universidade da Califórnia em Berkeley, local onde defendeu seu segundo mestrado (1987) e seu doutorado (1992). Fruto de uma extensa pesquisa realizada ao longo de dez anos, o livro Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo (2000), escrito originalmente em inglês, recebeu o Senior Book Prize da American Ethnological Society. É autora também de A política dos outros: o cotidiano dos moradores de periferia e o que pensam do poder e dos poderosos (1984) e Espacio, segregación y arte urbano en el Brasil (2010).
Veja também
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